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8. Em uma outra montanha, essa na Suíça, há uma pequena caverna interna a meio termo entre o topo e o sopé, onde um camponês desenvolveu um curioso hábito: colhe cuidadosamente os morangos silvestres no tempo exato de maturação, quando já começam a se tornar frágeis de tanta doçura, e deposita-os, às braçadas, nas pequenas poças naturais que se formam do degelo da caverninha. Ficam ali marinando nessa água tão gelada uma paisagem toda vermelha de frutos que, com a ação do tempo e os depósitos de cristal que sobre eles se precipitam, escorrem num espesso fio carmim pela rocha a que, metros abaixo, mais tarde, leva o camponês a canequinha de biscuit de sua neta para enchê-la de um doce segredo.
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12. Ontem a água inesquecível que tomei foi o último gole do cantil de um comandante romano ao final da campanha na Germânia, ao amanhecer. Do alto da sela, estendeu-me o cantil e sorriu. Tinha gosto de zimbro, couro e terra escura. A cada gole, um golpe de gládio, uma colina.
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24. Vá, menino, dance com teus pés pequenos e delicados sobre essas uvinhas no lagar gelado. De cada bago dourado, ardendo de doçura, seja assim extraído o sumo mais primeiro, mal as finas cascas se machuquem, o primeiro e mais sutil néctar, pela leveza com que os pisas. Escorra essa seiva libatória por condutos engenhosamente esculpidos no gelo trazido das montanhas, lentamente, vertendo-se em minha taça, e eu dela cheia beba, e sacie minha sede de tanto prazer e de tanta vida.
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31. Em um jardim nos fundos de uma centenária propriedade japonesa há uma fonte de pedra, sob as cerejeiras. Mal se vê a bacia quadrada de água, coberta que fica com as folhas das árvores e dos arbustos de jasmim. Não há templo nenhum que a vele, nem desenhos precisos que a recortem: a natureza parece placidamente recobrir a superfície da água fresca e perfumada que, levando-se à boca com uma pequena vasilha de cerâmica rústica, equivale a uma prece silenciosa que abençoa o peito com seu frescor.
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63. Já havia mais de um dia que não tinha sinal de mais nenhum inimigo; sentia-se tão fatigado que sequer sabia se já havia dormido ou não – restava apenas continuar caminhando para longe, o quão mais longe fosse. A armadura de couro engrossada por pedaços de crosta de lama acima e uma malha de sangue abaixo pendia do corpo como uma ferida. Era o último etrusco de sua dizimada tribo – viu pendendo num galho fino um damasco maduro tremulando com a brisa do vale: tomou-o em sua mão sentindo a maciez que se lhe adivinhava a doce suculência, e mordeu-o.
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