terça-feira, 16 de novembro de 2010

As horas

Afundada na poltrona, contava os passos trêmulos da perna bailarina dos ponteiros a girar o compasso pontiagudo no mostrador do pesado relógio de parede do quarto. A existência arrastava-se assim minúscula e nervosa, uma fileira interminável de formigas de minutos marchando freneticamente rumo a lugar nenhum. Seguia o brilho do taco encerado até a porta, por onde, ao findar de horas eternas, Lucas entraria trazendo novamente a vida.

Contavam as horas diariamente durante oitenta e um dias dolorosas lanças pontiagudas em sua garganta delgada, uma a cada hora. Ah, sim, mas a vida retornaria - mas também tão logo novamente fosse embora, ei-las ainda ali, cravadas em sua traquéia, todas, novamente... Assim, portanto, como sempre: a asfixia tão póstuma quanto premeditada, e inescapável.

O espelho continua com a mancha de seu olhar fixo; a cama com a sombra quente de seu corpo; o seu quarto pequeno e quadrado impregnado com o perfume de suas pernas, costas, cabelos e testículos - tudo envolto pela fragrância amadeirada e picante do frasco de vidro topázio no toucador. Os objetos do quarto com as marcas de suas mãos fracas e pesadas. Seu retrato no criado mudo, um refém da atmosfera densa da câmara; seu quarto também todo ele um retrato infectado por ele, podendo apenas ela tocá-lo - tocar o tempo longo que não viveu. A fotografia do quarto seria como uma meia-luz transposta para o papel, entretanto, nem o papel havendo, é apenas sombra, e sonho, e nada.

Lucas não chegara, não chegaria. Faziam-lhe companhia apenas as horas mornas, arrastando-se sob seus pés como um chão movediço em que se afundava lentamente, engolido pela dor de sua ausência, pela dor física e a impossibilidade de respirar.

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