quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Ausência dela

Venham, venham, dedos, dedos, dedos, dedos, dedolhos piscando como uma revoada de borboletas alaranjadas em meio ao pólen, dedolínguas como um bando de escuras lontras brilhantes na água marrom do rio, dedançantes como os negros ao redor da fogueira noturna e essa pequena mariposa que agora morre na luz de minha lâmpada.

Carinho que cavocam nas teclas a procurar onde ela está dentro de minha alma, onde ela se esgueira como uma seda escorregadia por cada vão de meu abandonado mobiliário interno, e todas as minhas câmaras e balcões e alamedas estão sozinhos sem ela – ela, a única vela no centro da sala de baile a desenhar-me sombras serpentinas erguendo-se pelas paredes e fazendo toda minha sóbria arquitetura dançá-la com os braços para cima e olhos fechados... Onde ela está, que com tanta ausência preenche cada fresta da cerâmica de minhas rachaduras e canta um lamento lúgubre através de meus rochedos que o vento da passagem de tantos dias esculpiu? A ausência dela é uma tenda de lona de circo vazia com cães mortos dependurados nas juntas das estacas. Onde agora o riso e as cores? Quisera desenha-la com esses dedos, quisera moldar no ar seu volume de pétala, quisera esmagar vaga-lumes sob minhas unhas para acender com um gesto de cimitarra o sorriso dela no ar denso da noite. Quisera vagar pelo campo sob a lua de braços abertos a pentear com minhas mãos seus cabelos de linho e caminhar sobre ela inteira até desaparecer em seu horizonte.

Venham, venham, dedos, e contem a ela o meu amor maior que minha alma, o langor de meus dias ouvindo em minha pele o sino perpétuo de sua lembrança, e a dolorosa lentidão de minha longa, longa, longa saudade infinita.

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