quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

O calor e o tempo

Sinto meus pés inchados, as solas comprimidas como se cinco de mim as tivessem pisado durante todo o dia. Deve ser o calor. As muitas horas em pé e o calor. Não estou a tal ponto velho nem sou bailarina para andar a reclamar dos pés, mas assustei-me quando da porta da casa de meu amigo saiu um quem irreconhecivelmente manco que culpava os joelhos. É a gota atacando, eu disse. Ao menos nisso, meu caro, você pode se igualar aos reis; vamos logo à procura de alguns passarinhos. E demos uma risada amarela de anos de café. Podiam-se-nos embranquecer os dentes e não os cabelos. Ao menos algum charme dizem elas que isso tem – mas também o dizem da calvície, o que prova de vez a completa ausência de confiabilidade desses juízos no mínimo irrestritamente complacentes. Mas o que seria da vida sem a generosidade? Abro a porta para ele, que expira um longo ah ao descarregar-se no sofá-da-sala que se tornou o assento de passageiro do meu carro, ali o mais moço de três senhorinhos. E vamos os três rangendo e sacolejando pelas ruas ainda úmidas de chuva, comprar chocolates no supermercado. Contramãos, vagas proibidas, saímos os dois deficientes do carro. Das alamedas de gôndolas, passeamos apenas pelas enfeitadas com os arcos coloridos e brilhantes das embalagens, duas crianças com o tardio poder de finalmente alcançar qualquer coisa apenas com o esticar do braço. Rio quando pela esteira do caixa rolam apenas dois chocolates e um pote de sorvete – quantos anos até termos essa liberdade generosa conosco mesmo. Comemos e sorrimos: com isso amarelamos hoje talvez um pouco mais os dentes, porém certamente também alguns fios de cabelo tiveram seu embranquecimento adiado. Colocamos os pés para cima, refestelados nas poltronas da salinha de tevê: faz bem para desinchar os pés, dizem. Dizem tanta coisa. E ouvimos.

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